domingo, 1 de março de 2009

Estaleiro de craques

Não sei se o amigo leitor reparou, mas, de uns tempos para cá, as maiores contratações dos clubes brasileiros têm envolvido não mais as jovens promessas, que ainda cabem nos orçamentos modestos da nossa realidade ainda mais modesta, mas jogadores consagrados. Ora, como isso é possível? Como os nossos alquebrados clubes podem se dar ao luxo de contratar jogadores de Seleção Brasileira? Também andei me fazendo essas perguntas. O fato é que, no ano passado, o São Paulo repatriou o Imperador Adriano. Este ano, o Fluminense contratou Thiago Neves e garante já ter tudo acertado com Fred. O Santos trouxe Robert de volta. Já o Corinthians, num lance de ousadia, fechou com ninguém menos do que Ronaldo Fenômeno. Eu não me assustaria se o Grêmio amanhã anunciasse Ronaldinho Gaúcho.

As respostas às perguntas do parágrafo anterior não são tão complicadas assim. E o caso de Adriano exemplifica bem essa nova modalidade de contratação de craques, que eu batizei de acordo-estaleiro. É simples. O craque caiu em desgraça no exterior porque exagerou nas baladas? Vamos trazê-lo para cá, por uns tempos. Contusão grave? Acima do peso? Fora de forma? Banzo? Um contratinho esperto, com cláusula de saída a qualquer momento – desde que surja uma boa proposta – é a forma ideal de permitir ao grande jogador se recuperar em paz, jogando quando dá, num clube menos exigente, até atingir a plenitude da forma física e psicológica. Estando 100%, as boas propostas reaparecerão e, tão rapidamente quanto chegou, o astro irá embora. Foi assim com Adriano.

De certa forma, todo mundo parece sair ganhando com os acordos-estaleiro. Os craques, além de passar um tempinho perto dos familiares e amigos, podem se recuperar sem pressão e ficar mais visíveis para o técnico da Seleção. Os dirigentes tornam-se heróis. E os torcedores adoram gritar o nome de um jogador consagrado, nem que seja por uns meses. Nenhum torcedor do Fluminense acredita que um craque como Fred, que é jovem e disputou a última Copa do Mundo, ficará nas Laranjeiras depois do final do ano – a menos que não jogue absolutamente nada, o que é improvável. Se fizer tantos gols quanto se espera, será questão de tempo até que um clube europeu de ponta, durante a janela de transferências, assine o cheque que quebrará o contrato que os cartolas alegam ser de cinco anos – mas que terá cláusula de rescisão a qualquer tempo, o que, na prática, o torna sem prazo.

O caso de Fred não será diferente dos de Robert ou Ronaldo. Thiago Neves, inclusive, já foi comprado por um clube árabe – que só não exercerá o direito de levá-lo para o Oriente Médio se o craque jogar pedra em santo. Mas isso, nem ele, nem os torcedores, nem os cartolas daqui nem os de lá querem que aconteça. Duvido que, se marcar 30 gols na temporada, Ronaldo não receba uma proposta de um Manchester City da vida. Proposta que será inúmeras vezes maior do que seu acordo com o Corinthians. Se isso ocorrer, Ronaldo só ficará por aqui se já se considerar rico o suficiente para rasgar o cheque em libras do City. Isso seria até possível, dado o patrimônio do craque, mas não é provável.

Dessa forma, de acordo-estaleiro em acordo-estaleiro, os clubes e os torcedores brasileiros vivem nesse estado de me-engana-que-eu-gosto, que só interessa mesmo aos jogadores que vêm para os clubes-balneários em busca da cura rápida e do rápido retorno ao palco principal do futebol mundial. E, claro, aos empresários desses jogadores, que ganham milhões brincando de fazê-los cruzar o Atlântico a cada seis meses.

Texto de Marcos Caetano, retirado do jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 28/02/2009

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